PANDEMIAS E OS EFEITOS NAS RELAÇÕES ENTRE-NAÇÃO

10/08/2020

TEMPO DE LEITURA: 13 MIN.

FLORIANÓPOLIS - Etimologicamente, o preposto pan tem significado de totalidade, enquanto no vocabulário médico, demia exprime ideia de uma doença que foi generalizada a uma população, de alta capacidade de propagação e difícil controle; somadas, tem-se o conceito de pandemia: um malefício de saúde que se estende de forma generalizada, na prática, por continentes. Dessa forma, peste negra, cólera, gripe espanhola e AIDS são exemplos de bactérias e vírus, iniciados em determinada população ou país, nesse estágio ainda como epidemias, que tiveram propagação supra continental ou global, excedendo suas consequências, além da saúde, para os campos econômico, turístico e político. Hodiernamente, o controle das informações globais de saúde pública, assim como a capacidade de identificar emergências de interesse internacional, concentra-se nas mãos da Organização Mundial da Saúde (OMS), destacando esta como peça chave para uma reação eficiente dos países e sua cooperação em momento de crise sanitária global (JARDIM, 2020).

Mais recente, e também foco deste artigo, o novo tipo de coronavírus percebido em 2019 (COVID-19) na China, e relatado no dia 31 de dezembro à OMS, evoluiu de forma como jamais visto; a volatilidade de locomoção de bens e pessoas desta década, somada à composição biológica do vírus SARS-CoV-2, foram fundamentais para a propagação até o cenário atual: 19.187.943 casos confirmados e 716.075 mortes até a escritura deste artigo, com Estados Unidos, Brasil e Índia isolando-se como as nações com mais ocorrências, respectivamente (WHO, 2020). Pela fácil capacidade de propagação do vírus, as nações se viram, em meados de março, frente a uma situação atípica, com necessidade de organização rápida que freasse o potencial mortífero do COVID-19: a quarentena. Desde então, internamente, a imposição do isolamento social, em defesa da saúde pública, rapidamente recaiu sobre o campo econômico, enfrentando sistemas de comércio livre e não-intervenção Estatal, o setor turístico, abalado pelo sentimento de medo do inimigo invisível e a esfera política, permeada por confronto de poderes e notícias falsas. Para este artigo, analisou-se os efeitos que estas mudanças vêm causando nas relações entre-nação (SOUZA, 2020).

Com a pandemia do novo coronavírus, uma das áreas mais afetadas, e que acaba por desencadear consequências em outros âmbitos, é a economia. Segundo a Confederação Nacional de Serviços (2020), os setores com maiores prejuízos devem ser o de hotelaria e alimentação (16,9%), de transportes (10,6%), e campos do setor terciário, como advogados, contadores e engenheiros (6,3%). Como consequência, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2020) prevê que mais de 2,7 milhões de empresas formais na região fecharão até o final da pandemia, causando a demissão de 8,5 milhões de pessoas, sem contar as empresas que continuarão seus negócios mas terão diminuição no quadro de funcionários.

Muito por conta deste cenário generalizado, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2020) também estima que, mesmo em um cenário otimista sobre o avanço da pandemia, o desemprego nos países componentes da Organização deve atingir 9,4% no quarto trimestre deste ano, resultados ainda piores que os do Crash da Bolsa em 2008.

Considerando os resultados do ano de 2020, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê a quebra de 3% do PIB global, sendo esta mais intensa nos países desenvolvidos (-6,1%), e mais branda nos países emergentes ou em desenvolvimento (-1%). Segundo o Fundo, "em 2020, cerca de 90% dos países do mundo vão enfrentar uma recessão" (EY-PARTHENON, 2020, p.03 apud FMI, 2020).

Apesar de as economias emergentes serem, proporcionalmente, menos afetadas do que as demais, pessoas de baixa renda vêm pagando um preço mais alto pela crise financeira. Segundo a OCDE (2020, on-line), durante o período de isolamento social, "os trabalhadores mais bem remunerados tinham, em média, 50% mais chances de trabalhar em casa do que os mais pobres". Enquanto isso, "trabalhadores de baixa renda tinham duas vezes mais chances de parar de trabalhar completamente, em comparação com os de renda mais alta" (OCDE, 2020, on-line).

Frente a esse cenário, a Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês), apresenta-se pessimista sobre uma possibilidade de recuperação rápida, o que aconteceu em muitos países em desenvolvimento entre 2009 e 2010 (ONU, 2020b). De qualquer forma, segundo a CEPAL (2020), as tecnologias digitais tornarão-se grandes aliadas em uma reviravolta do setor terciário, através da migração de suas operações para o meio on-line, com o processamento de Big Data para seus processos de demanda e cadeia de suprimentos, assim como usando de dispositivos digitais e robôs para produção.

Outro campo que o novo coronavírus atingiu de forma certeira foi o, largo e lucrativo, mercado do turismo. Alicerce para a economia de muitos países pelo globo, os valores movimentados pela prática turística vinham aumentando de US$ 490 bilhões para US$ 1,6 trilhão nos passados 20 anos (ONU, 2020c). Com a freada da tendência pelo novo vírus, países que apoiam, em alguns casos até 15% como Malta e Croácia, seu Produto Interno Bruto (PIB) no turismo devem sofrer de forma direta com o abrupto fechamento do setor. As maiores indústrias turísticas, entre elas Estados Unidos e China, somarão prejuízos recordes e, mesmo que os países não debrucem a maior parte do seu PIB no turismo, considerados todos os outros impactos no setor de bens e serviços, o rombo deve ser histórico (CALEIRO, 2017).

Somadas as projeções de cada nação de perda de arrecadação por conta da pandemia do novo coronavírus, a Organização das Nações Unidas (ONU, 2020c) calculou o potencial de prejuízo de 1,2 trilhões de dólares, 1,5% do PIB global, para o setor do turismo no contexto de interrupção das atividades nos quatro  meses  passados. O  cenário  mais


pessimista projetado pela Organização para o turismo internacional viria com uma paralisação das viagens e estadias por 12 meses correntes, com capacidade de perda de até 3,3 trilhões de dólares, 4,2% do PIB mundial. Os números tendem a se aproximar mais do primeiro que do segundo cenário, visto que, na atual situação de congelamento das atividades por cinco meses, governos e empresas privadas voltam a fomentar o turismo como forma de compensação do prejuízo, como aconteceu com o - trágico - retorno do complexo de parques Disney no estado estadunidense da Flórida, registrando, no dia seguinte, recorde mundial de novos casos de COVID-19 em um único dia (DISNEY..., 2020).

O movimento atual no sentido de retomada, no qual 40% dos destinos turísticos globais já flexibilizaram sua política de prevenção ao novo coronavírus, não só na América do Norte, mas de forma apressada também na Europa e Ásia, contrasta com o contexto de poucos meses atrás, abril, quando, no começo da difusão do vírus pelo globo, o movimento turístico no mundo despencou 97%, ficando praticamente estagnado (ONU, 2020a; TURISMO..., 2020). Momento - eticamente - oportuno ou não para retomar o setor, esta dinâmica vem ocorrendo, internacionalmente, atrelada à capacidade dos governos nacionais em lidar com a pandemia: no mais famoso caso da União Europeia (UE), o bloco considerou dados epidemiológicos, de contagiosidade dos infectados e de capacidade de rastreabilidade destes pelos governantes para a formulação de uma lista das nações irrestritas de enviarem turistas ao continente; o Brasil, até a data deste artigo, segue de fora desde a primeira versão da listagem, de 15 de junho (PINTO, 2020). Assim, a pandemia que se estende por 2020 assola o turismo global e, mesmo sem perspectivas de uma vacina, projeta retomada do setor para o segundo semestre do ano, que só deve ocorrer em grande escala com o controle interno do contágio nos países e os acordos entre-nação para recebimento de turistas estrangeiros.

Na geopolítica internacional, a pandemia teve como consequência reclusão e estagnação, em níveis nunca vistos antes. As repercussões vão além da esfera da saúde, o isolamento social traz a reclusão de indivíduos, o fechamento de comércios, de fronteiras, o cancelamento de voos internacionais, entre outras medidas que refletem de forma iminente no cenário internacional. Observa-se, no entanto, que a pandemia não mudou o panorama, apenas intensificou a configuração assimétrica de poder (ABDENUR, 2020). A COVID-19, assim como a gripe espanhola de 1918, representa uma mudança de poder mundial - "um divisor de águas mórbido na política internacional, mais exatamente uma transição de poder entre os EUA e a China" (COUTINHO, 2020, p. 01).

A China, além do bom controle do vírus, destaca-se como principal exportador mundial de equipamentos de necessidade médica e outros produtos manufaturados, sendo o Estados Unidos o maior importador (ALVARENGA et al, 2020). A China se evidencia, então, pela união de esforços para suprir toda a demanda doméstica e também global "de testes, máscaras, luvas, aparelhos, câmeras termais, tratamentos e vacinas" (REIS, 2020 apud ALVARENGA et al, 2020, p. 11). Muitos analistas defendiam, alguns anos atrás, que os Estados Unidos estariam em decadência e a China em ascensão. No entanto, o desempenho econômico estadunidense foi notável nos governos de Obama e Trump e a China, na contramão, apresentava diversos problemas econômicos. A pandemia transforma completamente este cenário: a China segue como única a crescer em 2020, mesmo em menor patamar. Ainda assim, os Estados Unidos mantém o vigor, tentando segurar a valorização do dólar (COUTINHO, 2020).

No entanto, países com menor poder econômico e geopolítico enfrentam a falta de medicamentos, de insumos e de equipamentos no combate à pandemia, sendo necessário uma política internacional pragmática, para atender as especificidades de cada país (BUSS; TOBAR, 2020; REIS, 2020 apud ALVARENGA et al, 2020). A pandemia é responsável por tragédias humanas, crises políticas e sociais, recessão econômica, mortes e consequências ainda imensuráveis. Neste sentido, a maioria dos países do sistema internacional são atingidos, escancarando e intensificando problemas já existentes. O Brasil passa, há alguns anos, por um declínio na sua política externa e na Diplomacia em Saúde Global, que foi intensificado pela pandemia. A posição adotada pelo Brasil de isolamento e competição rompeu com a tradição histórica de liderança e articulação da América Latina, criando tensões diplomáticas e aumentando os efeitos negativos da COVID-19 em sua população (ALVARENGA et al, 2020).

A quarentena, a necessidade pelo isolamento físico e social, e o iminente risco de contágio da COVID-19 aceleraram processos e transpareceram dificuldades que talvez demoraríamos em torno de uma década mais para perceber. A tecnologia tornou possível que o mundo on-line se apresentasse como um dos maiores aliados até mesmo dos processos tradicionalmente físicos, fazendo com que empresas, por mais verticais que fossem, vissem-se impelidas a introduzir novas metodologias e reinventar-se em meio ao caos e ao risco de fechamento e demissão em massa. Enquanto isso, o turismo, quase sempre vinculado a aglomerações, permanece como uma das áreas mais afetadas pela pandemia, permanecendo - ou devendo permanecer - em uma espécie de stand-by de suas operações.

De qualquer forma, a geopolítica e a relação de poder entre os países parece ser um dos maiores pontos em jogo. As relações - conturbadas - de poder se exacerbaram, assim como a necessidade de ajuda e a política de cuidado - ou não - de cada país em relação à doença. Desse modo, fica claro como a confiança e cooperação entre os Estados é peça importante para que os esforços para a descoberta da vacina e do tratamento ao novo coronavírus sejam tomados de modo global e célere, assim como as retomadas nos âmbitos econômico, turístico e até social (BOONE, 2020).


UFSCMUN, Universidade Federal de Santa Catarina, CSE - Trindade, Florianópolis/SC - 88040-380
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